sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Flores de cactos

por Miguel Nicolelis

Em sua coluna de estréia em CartaCapital , o cientista Miguel Nicolelis aponta que a região Nordeste tem tudo para virar a nossa Califórnia. Não poderia ser melhor e mais geográfica.

Para a maioria dos brasileiros, principalmente aqueles que vivem no Sul e Sudeste, qualquer menção ao sertão nordestino imediatamente evoca tradicionais imagens de destituição, miséria, abandono e atraso. Invariavelmente, essas amargas lembranças servem apenas para reforçar a opinião de que uma realidade tão implacável e inóspita jamais se renderá a qualquer política pública ou iniciativa privada que vise ao desenvolvimento da região. Assim, dentro desse estereótipo nacional, nada é capaz de prosperar diante do sol escaldante, o solo seco e os desolados jardins de cactos que dominam a paisagem da Caatinga.

Essa visão fatalista ignora que o sertão nordestino há séculos serve de palco para o desenrolar de um grande épico de sobrevivência, construído dia a dia pela ingenuidade natural e obstinação de todas as formas de vida que lá habitam. Formada por uma vegetação altamente adaptada à falta crônica de água, ornada por uma flora típica e própria, a Caatinga há muito deixou de ser considerada, ao menos em termos botânicos, como uma simples degeneração da Mata Atlântica. Na realidade, trata-se de um dos biomas mais especializados do mundo, parte integral e única do extraordinário patrimônio natural brasileiro.

Todavia, diferentemente da floresta amazônica, do Pantanal, e até mesmo do Cerrado, a Caatinga ainda não encontrou seu espaço próprio na consciência nacional, que vira-e-mexe prefere rejeitá-la, como se fosse uma filha a quem se nega paternidade, nome e pensão.

O fascínio que atrai milhares de brasileiros a visitar as inúmeras e exuberantes praias do Nordeste esvai-se em segundos quando o sertão é mencionado como uma nova provável fronteira de desenvolvimento que começa a se desenhar no horizonte futuro do País. Improvável, respondem de imediato os mais gentis e cautelosos. Impossível, bradam os chamados realistas. Inimaginável, decretam os fatalistas. O que pode crescer e prosperar nesses infindáveis e desolados jardins de cactos, perguntam todos em coro?

Durante uma viagem de alguns dias por muitos recantos extraordinários do interior da Paraíba e do Rio Grande do Norte, encontrei a resposta para esta pergunta. E ela não poderia ser mais singela e simples. São flores, muitas flores, que brotam desses jardins de cactos, outrora abandonados pelo ocaso predito, para colorir a paisagem desse sertão com matizes de esperança e sonho.

E é a partir dessas ainda frágeis florescências, tão inesperadas quanto belas, que desabrocha a concreta sensação, para quem o visita, de que o destino do Nordeste brasileiro, dado como natimorto inviável, pode se transformar numa inesperada fronteira de desenvolvimento e progresso, com repercussões significativas para todo o Brasil e o mundo. Em bom português, para quem tem olhos e quer ver, o Nordeste pode e tem tudo para se transformar na nossa Califórnia.

Os primeiros sinais do que está por vir podem ser obtidos no interior paraibano, nas primeiras plantações experimentais do pinhão-manso (Jatropha curcas), uma planta oleaginosa que cresce nos tabuleiros do sertão, muito bem adaptada à falta d’água crônica. Num futuro próximo, essa e outras culturas, valendo-se do casamento da moderna biotecnologia com uma nova agricultura do Semi-Árido, podem transformar as terras do sertão na maior usina de biocombustível do mundo. E, no processo, revolucionar o desenvolvimento econômico e social da região.

Exemplos como esse proliferam pelo sertão. Somado ao acesso à tecnologia, tem provocado mudanças no cotidiano dos habitantes. É como conta Gustavo, estudante de um vilarejo chamado Residência, no Rio Grande do Norte. Primeiro, diz ele, chegou a água, depois a eletricidade. Daí chegaram as antenas parabólicas e a televisão. Por isso, do Brasil ele sabe tudo e para tudo tem uma opinião. Dos problemas do tráfego aéreo à criminalidade das grandes cidades, Gustavo está a par da agenda nacional. Para o menino, o sertão está muito bom e só tende a melhorar. Assentindo em silêncio, procurei gravar cada detalhe daquela florada humana desabrochando, ali, no lugar onde poucos imaginaram que cacto também desse flor.


Clique aqui para saber um pouquinho mais sobre esse cientista brasileiro e aqui para saber um pouco do que ele pensa.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Cotas ameaçadas

A Justiça Federal suspendeu o sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo o juiz federal Gustavo Dias de Barcellos – atendendo a uma ação civil pública do Ministério Público Federal – as cotas ferem o princípio da igualdade.

Segundo matéria da “Folha”, 2.862 alunos foram classificados por notas, 819 por serem da rede pública e 323 por serem negros.

O juiz deu a liminar rebatendo o critério racial: “A ciência contemporânea aponta de forma unânime que o ser humano não é dividido em raças”.

Quais as lições a serem aprendidas dessa história.

Primeiro, que há um conceito fundamental em direito, de que não se podem tratar de forma igual os desiguais. Esse é o princípio básico da igualdade – não o de tratar todos de forma semelhante. Mas, por conta da ênfase racista nas cotas, criou-se o álibi para tentar derrubá-la na Justiça.

Tem que haver uma uniformização do discurso sobre cotas em cima dos ensinamentos e dos estudos da Unicamp.

A Universidade pesquisou seus alunos são constatou:

1. Os alunos da rede pública tem classificação pior nos vestibulares, por conta da diferença de formação com os da rede privada. Mas em pouco tempo tiram a diferença – porque têm mais garra, devido ao seu histórico de vida.

2. Por outro lado, não se pode tirar a meritocracia dos vestibulares – que são uma forma democrática de acesso à Universidade, desde que observadas as diferenças dos desiguais.

3. O correto, então, é estimar estatisticamente quantos pontos de vantagem seriam necessários para compensar a deficiência de formação da escola pública, sem comprometer o desenvolvimento do aluno depois de aprovado. Assim, os que vêm da escola pública ganham alguns pontos adicionais na hora de computar os resultados do vestibular.

4. Os alunos considerados negros recebem um adicionalzinho a mais, nada que interfira substancialmente no resultado.

Como conseqüência, aumentou bastante o número de alunos de escola pública que concorreram e passaram nos vestibulares da Unicamp. Simplesmente porque o anúncio das cotas lhes permitiu acreditar mais nas suas possibilidades de passar no vestibular.

Luis Nassif www.projetobr.com.br/web/blog/5