sexta-feira, 23 de maio de 2008

500 anos de resistência

Fotografados, índios "invisíveis" de uma das últimas tribos isoladas da Terra reagem a flechadas

Após quase 20 horas num avião monomotor, o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental da Funai, comandou um sobrevôo que resultou nas primeiras fotografias dos índios de uma das quatro etnias isoladas que vivem na fronteira do Acre com o Peru. As mulheres e suas crianças fugiram para a floresta em busca de proteção, enquanto os guerreiros da tribo se posicionaram e reagiram atirando flechas no avião.

Nas cabeceiras do Igarapé Xinane, afluentes da margem direita do rio Envira, conhecido nos mapas de geografia como Cachoeira, muito próximas ao paralelo 10º, no limite Brasil-Peru, foram fotografadas malocas de índios isolados. Ambas foram localizadas inicialmente, a partir dos recursos da ferramenta Google Earth.

As mulheres índias do grupo de isolados que foi fotografado usam saiote de algodão. Os homens usam uma cinta de algodão na qual amarram o pênis. Raspam o cabelo até a metade da cabeça, mas a cabeleira se estende até o meio das costas. Usam tiaras e aparecem pintados de urucum (vermelho). Chama a atenção o fato de que alguns poucos aparecem pintados de jenipapo, isto é, com os corpos pretos, mas sem arco e flecha.



Fartura

- Os roçados são enormes, todos plantados de macaxeira, milho, algodão, banana, cana, batata, mamão, urucu e possíveis outras variedades que não são detectáveis nas fotos. São seis malocas e podemos afirmar que desde o primeiro sobrevôo, ocorrido há vinte anos, estes índios ao menos dobraram a população. São eles que aparecem nas fotos, pintados, fortes, guerreiros e sadios, recebendo nosso avião invasor com flechas - assinala Meirelles.

O sertanista não esconde o entusiasmo após 20 anos de dedicação na proteção dos índios isolados, também conhecidos na região como "índios invisíveis", pois até então jamais tinham sido avistados ou fotografados.

Meirelles Júnior comemora o fato de que a população de índios isolados possivelmente está aumentando por dois motivos.

- O primeiro é a tranqüilidade que o trabalho de proteção proporciona. Por conta disso, a vida segue normal, com fartura, muita criança nascendo e ninguém sendo morto por invasores.

- O segundo, é lamentável, a expulsão de povos isolados de seus territórios pela frente de exploração ilegal de madeira em território peruano e a consequente migração deles para o território brasileiro. Sejam bem-vindos - saúda o sertanista.

Espero que divulgação das imagens sirva para sensibilizar a opinião pública, dentro e fora do país, da necessidade imperiosa de preservação ambiental e de proteção dos povos desconhecidos ou isolados que se recusam o contato com a civilização branca há mais de 500 anos - apela José Carlos dos Reis Meirelles.


Fonte: Portal Terra

"Big bug", o grande caos

Merece leitura e reflexão o texto publicado na folha de São Paulo, 22/05, a respeito do uso das novas tecnologias informacionais e como elas tomaram conta da nossa vida de maneira irracional.

"Big bug", o grande caos

CÁSSIO SCHUBSKY

As novas tecnologias nos fazem trabalhar sem parar. As (poucas) férias agora são contaminadas pelo vírus da conectividade permanente.

QUANDO HOUVE a virada do novo milênio, rondava entre nós, os conectados na internet, o medo do chamado bug.

Temia-se que os computadores entrassem numa espécie de catalepsia em rede, ocasionada por uma situação inusitada: os softwares não estariam programados para decodificar os dígitos do ano 2000. As máquinas como que parariam no tempo ou, pior, voltariam para trás, no fatídico 1º de janeiro de 00.

O risco era o de que a pane acarretasse reveses econômicos inestimáveis. Conjecturava-se que os bancos, coitados, sofreriam perdas medonhas – pela primeira vez! Parecia até sabotagem arquitetada por astutos hackers para promover, se não a redistribuição de renda, alguma perda econômica, que fosse, para os aquinhoados pelo destino (e pela herança).

Programadores acorreram de todos os lados, esbaforidos, para evitar o pior. E o pior não veio. Não veio?

Por outro lado, há muitos anos, contingentes expressivos de seres humanos vinham acalentando a perspectiva de que os avanços tecnológicos nos levariam a trabalhar menos: as máquinas nos serviriam, enquanto poderíamos despender o tempo extra resultante dessa servidão a nosso bel-prazer, para o lazer, em idílico "dolce far niente". O melhor da festa viria.
Veio?

É fácil perceber que, em termos de previsões, nossos futurólogos da tecnologia são um fiasco. Nem bug, nem "dolce far niente". O que veio – e parece que para ficar... – é uma espécie de "big bug", ou, na língua de Machado de Assis, o grande caos.

As novas tecnologias estão fazendo muitos de nós trabalharmos sem parar. Se as férias já eram poucas, muitas vezes resumidas a parcos dias nas festas de final de ano, agora, ainda por cima (por baixo, por trás e pelo lado), são contaminadas pelo vírus da conectividade permanente: celular, iPhone, computador portátil, enfim, o escambau, que fica ligado, piscando, vibrando, zunindo, para acabar com nosso sossego. Adeus, fim-de-semana, oh! saudosas noites de luar! (ou de céu cinzento, que fossem).

O que dizer, então, do famigerado e-mail? "Uma maravilha! Agiliza tudo! Facilita a comunicação entre as pessoas", dirão os incautos. Ora, além de não ter diminuído a jornada de trabalho, a tecnologia, por via do e-mail – para ficar apenas no nosso exemplo –, está fazendo com que trabalhemos mais horas. Muito mais!

Se alguém nos envia uma mensagem, antes de tudo, é preciso lê-la.

Muitas vezes, respondê-la. Fique-se um dia sem consultar a caixa de mensagens, e elas irão se acumulando como coelhos cibernéticos, com suas respostas, cópias e encaminhamentos para terceiros.

E as tão sonhadas horas extras para o lazer viram pó, ou melhor, viram bits, pois as ocuparemos, até o fim dos tempos, somadas a outras horas extras de mais trabalho, para responder os queridos e-mails, copiá-los e encaminhá-los. E, depois de tudo, talvez ainda sobre um tempinho para deletá-los ou deles fazermos "backup".

E, se não sobrar, estaremos, como dizer... bem arranjados, porque, ou nosso computador dará uma pane qualquer por excesso de informação acumulada, ou então, para evitar o "big bug" pessoal, teremos, fatalmente, de limpar as caixas de mensagens, de entrada e de saída, as lixeiras, a parafernália toda.

Já sei: já é possível deixar os e-mails em sites hospedeiros, com segurança e praticidade. Vai confiar...

Com tudo isso, o tempo tem se tornado um dos bens mais escassos de nossa era. Em outras palavras: já se foi o tempo em que se tinha tempo para discutir o tempo, digo, se dia de sol ou de chuva. Agora, basta um click de nada, a qualquer hora e em qualquer lugar, e todas as informações estarão disponíveis instantaneamente. O prazer da conversa e o esforço prazeroso da busca pela informação? Babau.

Já não bastasse o trânsito, que cresce maligno, invadindo as ruas e todas as conversas (falta de assunto, viu?!), surrupiando o nosso precioso tempo, agora estamos escravizados pela tirania do e-mail. De repente, todo mundo acorda de uma longa letargia para olhar o caos urbano, a imobilidade instalada. E alguém ainda comemora a possibilidade de não perder tempo no engarrafamento, porque existe celular com e-mail. Que maravilha...

Onde é que nós vamos parar? Difícil dizer. O fato é que já estamos parando... De minha parte, alheio ao famigerado boom da indústria automobilística, tenho andado cada vez mais a pé. E tenho andado também com uma saudade danada de minha maquininha de escrever, de seu suave tec-tec-tec... tec-tec-tec... Agora, para completar, vou pegar um punhado de papel vegetal pautado, para escrever, de próprio punho, longas cartas aos amigos, tudo com muito vagar, apoderando-me do tempo e de mim mesmo... Adeus, pressa. "Bye, bug"!

CÁSSIO SCHUBSKY, 42, formado em direito pela USP e em história pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é editor e historiador. Fonte: Folha de S. Paulo – 22/05/08